Crítica: O Mediador

Black Beach, Espanha, 2020



Apesar de problemático, esse thriller político à moda antiga funciona muito bem diante de sua proposta

★★★★☆


Apesar da pouca divulgação de O Mediador o apresentar como um suspense de ação, o filme está muito mais para um suspense de espionagem ou mesmo de detetive. O protagonista Carlos Fuster (Raúl Arévalo) passa a maior parte do tempo tentando entender as tramas políticas e corporativas envolvidas na situação que ele foi enviado para resolver em um fictício país africano. Em seus melhores momentos, a produção lembra dramas como O Jardineiro Fiel e Conduta de Risco, faltando muito pouco para estar no mesmo nível desses dois.

Ciente da familiaridade de sua premissa, o roteiro de Esteban Crespo (que também dirige) e David Moreno se esforça para não cair no mito do “salvador branco”. Para começar, o protagonista não é apresentado necessariamente como um herói, mas como um homem branco cuja consciência só fica pesada por ele ter um envolvimento emocional prévio com aquelas pessoas e com aquele país. Mas isso também poderia ser dito sobre Beirute, outro drama da Netflix que mostra um lugar “exótico” sob o ponto de vista de uma pessoa branca. O que diferencia O Mediador é o fato de que ao invés de salvar o dia, Fuster leva apenas mais morte e destruição para o lugar, mesmo quando ele tem apenas as “melhores” intenções.

Ainda assim, seria muito mais interessante se o protagonista fosse negro e africano. Por exemplo, a história poderia ter sido contada sob o ponto de vista de Calixto Batete (Jimmy Castro), um amigo de Fuster que é acusado de ter sequestrado um engenheiro de uma petroleira. Executivo da mesma petroleira, Fuster é enviado para tentar negociar o resgate sem fazer muito barulho, mas a situação que ele encontra é muito diferente da que lhe foi passada. Resta-lhe então tentar montar o quebra-cabeça e dar sua própria resolução para o assunto, o que custa mais um bom número de vidas africanas.

Mas o grande destaque de O Mediador é a trama política. Há um claro alinhamento de interesses entre o autoritário presidente da nação e a petroleira no centro da história. Ambos estão interessados na melhoria da imagem do país e na suspensão de embargos comerciais. Para o presidente, ser considerado um pária internacional não apenas é ruim para os negócios mas também deixa o país aberto à ameaças externas. A petroleira, por sua vez, está muitíssimo interessada em explorar as reservas de petróleo do país, direito que ela já garantiu por meio de acordos escusos. Juntos, eles são capazes até de esconder violações de direitos humanos em nome do bom funcionamento das atividades econômicas.

A ambientação do filme faz questão de ressaltar o contraste entre os frios corredores corporativos e as quentes ruas da capital do país. A representação pode até ser considerada caricata, mas, por ser um país fictício que representa a África explorada pelos interesses econômicos ocidentais, é apenas natural que os cineastas realcem as consequências mais negativas das desigualdades sociais e do autoritarismo em lugares como esse.

Tudo isso faz com que O Mediador esteja mais próximo de thrillers políticos à moda antiga, como Os Gritos do Silêncio e Três Dias do Condor. A história também possui a típica estrutura dos romances de John Le Carré, se assemelhando às tramas das adaptações cinematográficas Nosso Fiel Traidor e A Casa da Rússia, além do já citado O Jardineiro Fiel. Em suma, esse é mais um suspense que aborda o que acontece com a ética nos negócios quando não há ninguém disposto a agir de forma ética.

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