Crítica: King Richard – Criando Campeãs

King Richard, EUA, 2021



Trailer · Filmow · IMDB · RottenTomatoes

★★★★★


Mesmo sem ir além das regras básicas das biografias inspiradoras, King Richard: Criando Campeãs fica bem acima da média graças a uma história real impactante e a uma fantástica atuação de Will Smith. O roteiro de Zach Baylin e a direção de Reinaldo Marcus Green conseguem ficar à altura desses históricos eventos e não desperdiçam o potencial do material. Diante de uma trama naturalmente emocionante, tudo o que eles precisam fazer é realçar o lado mais humano e mais imperfeito dessas conhecidas figuras midiáticas.

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Inicialmente, parece estranho que a história da ascensão das tenistas Venus Williams (Saniyya Sidney) e Serena Williams (Demi Singleton) seja contada sob o ponto de vista de seu pai, Richard Williams (Will Smith). Porém, os primeiros minutos do filme deixam claro que o sucesso das irmãs se deve, em grande parte, a um ousado plano elaborado por Richard quando elas ainda eram pequenas. O talento delas não foi aparecendo naturalmente, mas sim cultivado por Richard e pela mãe das garotas, Brandy Price (Aunjanue Ellis).

Isso não tira o mérito pessoal das duas atletas, que tiveram que se dedicar e permitiram que os sonhos de seu pai se tornassem seus próprios sonhos. Richard não precisou obrigá-las a seguir essa carreira, já que os incentivos que ele as deu desde os quatro anos de idade tiveram exatamente os resultados que ele desejava. Aparentemente, houve uma alinhamento de interesses. Porém, quando fica claro que ele e Brandy decidiram ter Venus e Serena com a intenção específica de torná-las grandes campeãs de tênis, o lado mais controverso de Richard começa a aparecer.

King Richard é muito mais um filme sobre planejamento, disciplina e dedicação do que sobre superação e sonhos realizados. Os sonhos da família Williams se concretizaram não porque seus membros simplesmente acreditaram e foram seguindo em frente, mas sim porque eles tinham um plano de longo prazo que era seguido diariamente. Sem poder contar com a sorte, os pais das cinco garotas contaram com a própria experiência e com a própria inteligência. Mesmo morando em um violento bairro periférico, eles se recusaram a tomar apenas decisões de curto prazo e incentivaram as garotas a não tomarem decisões impulsivas, o que certamente ajudou a desenvolver a inteligência emocional delas.

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Isso fica bem claro em uma das frases que Richard utiliza para motivar as garotas: “If you fail to plan, you plan to fail“, que pode ser traduzida como “se você fracassa em planejar, você planeja fracassar” ou “quando você não planeja, você planeja o fracasso”. Mas ele também sabe que seu plano pode dar errado e jamais abre mão de um “plano B”, que é a educação das filhas. Mesmo se não fossem tão boas no tênis ou se tivessem preferido seguir outros rumos, elas ainda teriam um sólido alicerce ético e educacional.

Mas King Richard também aborda alguns dos defeitos de seu protagonista, como sua inflexibilidade. Para começar, seu plano era tão específico que não deixava espaço para outras pessoas tomarem decisões ou para que suas filhas cometessem seus próprios erros. É difícil dizer se o sucesso das irmãs ocorreu “graças” ou “apesar” de algumas temerárias decisões que ele tomou quando elas estavam começando a ser reconhecidas. O fato é que essas decisões testaram significativamente a paciência de aliados como o técnico Rick Macci (Jon Bernthal) e de sua própria esposa, de quem ele se divorciaria em 2002. Brandy é tratada como uma coadjuvante tanto por Richard quanto pelo filme, que poderia tê-la aproveitado melhor.

É ela, por exemplo, quem traz à tona a questão dos outros filhos de Richard. Apesar de ser apresentado como um pai dedicado para as cinco garotas (três das quais não são suas filhas biológicas), ele foi acusado de ter abandonado os cinco filhos que teve em um casamento anterior e de ter vários outros filhos frutos de casos extraconjugais. Porém, como King Richard está mais interessado em mostrar o importante papel que ele teve no futuro das grandes atletas, que também são produtoras executivas do filme, esses “detalhes” são apenas mencionados.

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Enquanto filmes como Dias Sem Fim (crítica aqui) e 7 Prisioneiros (crítica aqui) mostram o quão difícil é para jovens pobres e negros escaparem do ciclo de violência de suas realidades, tramas como as de King Richard e Bantú Mama (crítica aqui) mostram que existem saídas possíveis. Porém, apesar de servirem como inspiração, essas histórias individuais de superação não servem para aplacar os efeitos de uma sistêmica desigualdade social. Uma mostra disso é como, mesmo depois de Venus e Serena alcançarem o sucesso, a irmã mais velha dentre as cinco, Tunde Price (Mikayla Lashae Bartholomew), foi assassinada “por engano” no bairro onde elas cresceram.

Nem toda a complexidade da história de King Richard: Criando Campeãs chega à tela, mas a parte que chega é complexa o suficiente. Os limites entre dedicação e obsessão, ou entre excentricidade e toxicidade, não são firmemente estabelecidos, ficando a cargo do espectador decidir até que ponto o comportamento do polêmico Richard Williams foi aceitável. O que fica claro é que, de uma forma ou de outra, ele teve um papel vital no surgimento de duas das mais inspiradoras atletas da nossa geração.

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