Crítica: Entre Facas e Segredos

Knives Out, EUA, 2019



Filme subverte o subgênero do mistério de assassinato para divertir e surpreender as audiências do Século XXI

★★★★☆


O responsável pela morte do milionário Harlan Thrombey (Christopher Plummer) é revelado ainda na primeira metade de Entre Facas e Segredos, mas isso não significa que o caso esteja resolvido. O diretor Rian Johnson subverte parcialmente a premissa do mistério de assassinato para mantê-la relevante e empolgante, resultando em um dos filmes mais engraçados e divertidos do ano.

E ele faz isso mantendo quase todos os clichês do gênero: uma mansão gótica fora da cidade, um detetive excêntrico e genial, um testamento recentemente alterado, uma família disfuncional, testemunhos conflitantes e a grande revelação na biblioteca. Apenas o mordomo ficou de fora da trama, apesar de ter substitutos à altura.

As surpresas começam já na escalação do elenco. Além de nomes de peso como Jamie Lee Curtis, Don Johnson, Michael Shannon, Toni Collette e Chris Evans, temos o britânico Daniel Craig interpretando o renomado e perspicaz detetive particular Benoit Blanc. Craig já havia mostrado seu sotaque sulista em Logan Lucky: Roubo em Família, e aqui ele repete a dose com um resultado extremamente satisfatório. Já LaKeith Stanfield e Noah Segan estão ótimos como os dois policiais locais responsáveis pelo caso.

Mas a grande revelação do filme é a atriz Ana de Armas, que protagoniza a produção ao lado de Craig (os dois também poderão ser vistos juntos em 007: Sem Tempo Para Morrer). Depois de uma elogiada e significativa participação em Blade Runner 2049 (crítica aqui) e de papéis menores em filmes como Cães de Guerra (crítica aqui) e Wasp Network (crítica aqui), a cubana finalmente tem a oportunidade de protagonizar uma grande produção, e ela não decepciona.

É sob o ponto de vista de sua enfermeira Marta Cabrera que o espectador acompanha a trama. Sua “compulsiva” sinceridade faz com que ela seja recrutada por Benoit para auxiliá-lo na investigação, dando início a um envolvente jogo de gato e rato. A partir daí, não é possível prever sequer de quais direções as reviravoltas virão. Mais crimes são cometidos e mais personagens são envolvidos no mistério principal.

O diretor também encontra tempo para fazer algum comentário social, especialmente sobre o quão longe os Thrombey estão dispostos a ir para manter seus privilégios, e como eles se negam a enxergar as benesses providas pelo falecido patriarca como tal. Além disso, enquanto pregam que Marta já é praticamente um membro da família, a maioria deles sequer sabe detalhes sobre sua vida pessoal, e mesmo os mais próximos se viram contra ela quando o caso toma certas direções.

Nesse e em outros aspectos, Entre Facas e Segredos também lembra a recente comédia de terror Casamento Sangrento, que mostra uma mulher “normal” tendo que lidar com as excentricidades de uma família rica em uma mansão gótica (e com “excentricidades” eu quero dizer que eles estão tentando matá-la). Mas a comparação mais óbvia é com Assassinato no Expresso do Oriente (crítica aqui), filme de 2017 que adapta uma das obras da escritora Agatha Christie sem adicionar nada relevante ao gênero (o que não impediu o diretor Kenneth Branagh de fazer uma continuação, Morte no Nilo, previsto para 2020).

Independente da temática, Entre Facas e Segredos é puro entretenimento e merece ser assistido na companhia de amigos e família. Como em qualquer bom mistério de assassinato, parte da diversão está em elaborar teorias e conferir quem acertou ou, pelo menos, quem estava mais próximo da verdade. A diferença é que, nesse exemplar, muito mais importante do que o final é o caminho percorrido até ele.

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