Crítica: Dunkirk

Dunkirk, Reino Unido/EUA/França/Holanda, 2017



Drama de guerra não decepciona nos quesitos tensão e adrenalina

★★★★★


Quando foi anunciado que o filme seguinte do diretor Christopher Nolan seria um drama de guerra, me perguntei o que uma temática tão convencional poderia oferecer a um diretor tão inventivo e inovador como Nolan, ainda mais com uma história que trata não de uma vitória heroica mas sim de um milagroso resgate. Porém, a temática de guerra é uma dos poucos elementos convencionais em Dunkirk, no qual o diretor (que também roteirizou e co-produziu o filme) reinventa o gênero de forma tão inteligente quanto intensa, a ponto de esse ser um dos trabalhos mais ousados do cineasta.

dunkirk 5O primeiro elemento de ousadia é a ausência de um típico núcleo dramático na trama. O resgate do exército britânico do litoral da cidade francesa de Dunkirk durante a Segunda Guerra Mundial não é usado como mero plano de fundo para a estória que está sendo contada, mas é sim o prato principal. O soldado Tommy (Fionn Whitehead) pode ser considerado o protagonista, mas, nesse sentido, ele é acompanhado de perto pelo piloto Farrier (Tom Hardy) e o civil Dawson (Mark Rylance, em performance mais que exemplar) nas outras frentes narrativas.

E com as três frentes narrativas utilizadas, Nolan mais uma vez brinca com o tempo, que é uma das características mais marcantes da maioria de seus trabalhos. Iniciando cada uma delas em diferentes momentos que precedem o resgate, o esforço que o espectador faz para se localizar no tempo (já que as três frentes são mostradas de forma intercalada e não-linear) é muito bem recompensado quando as três trilhas começam a convergir e se unificam durante o início do resgate.

A trilha narrativa de Tommy tem início uma semana antes do evento principal, quando ele chega em Dunkirk e encontra 400.000 soldados britânicos cercados por forças alemãs, e consiste inteiramente das tentativas do jovem soldado de escapar daquele cerco. Na outra frente, que tem início um dia antes do começo do resgate, o senhor Dawson evita que seu barco particular seja tomado pela Marinha Real Britânica e parte ele mesmo para resgatar os soldados.

Já o piloto da RAF Ferrier e seus companheiros são incumbidos de defender os céus de Dunkirk uma hora antes do início do resgate, o que dá a Nolan a possibilidade de mais uma vez nos impressionar: as batalhas aéreas são algumas das mais impressionantes, realistas e tensas já feitas no cinema. Ao usar planos amplos e fazer com que a câmera quase sempre acompanhe a orientação dos aviões, o diretor coloca o espectador a milhares de pés de altura e o faz se sentir bem no meio da batalha. Apenas essas cenas já são justificativa o suficiente para que o filme seja visto nas telas de cinema, especialmente em IMAX.

A abordagem quase documental utilizada pelo diretor não prejudica em nada o constante ar de tensão da narrativa. A trilha sonora é um dos principais responsáveis por isso, com o diretor e o compositor Hans Zimmer indo até o limite na utilização do efeito conhecido como Shepard Tone, uma ilusão sonora que causa a impressão de estarmos ouvindo um tom constantemente em ascensão, apesar do topo nunca ser atingido, e da qual Nolan é um entusiasta.

A combinação de todos esses elementos torna Dunkirk o filme com a mais intensa experiência cinematográfica lançado até agora em 2017, apesar da temática ser um pouco mais polêmica. Enquanto alguns o criticam por tornar o conflito armado um grande espetáculo, outros lamentam sua mensagem patriótica diante do atual (e lamentável) estado da política britânica, o que torna sua mensagem final mais melancólica do que esperançosa.

dunkirk 3Mas Nolan não parece estar tão preocupado com esses detalhes ou em responder questões históricas (como o motivo pelo qual o exército alemão não seguiu em frente com o ataque a Dunkirk). Mesmo os pontuais dramas humanos mostrados na trama funcionam mais como fonte de tensão do que como fonte de genuínas emoções, o que também não parece ser o objetivo do diretor. Como filme de ação, o ritmo de Dunkirk rivaliza com novas pérolas do gênero como Pura Adrenalina e Hardcore: Missão Extrema, ou mesmo com as extravaganzas de super heróis lançadas pela Marvel.

Independente de tudo isso, arrisco dizer que o filme já tem garantidos um ou dois Oscars em categorias técnicas, além de uma fiel legião de fãs. Quaisquer defeitos que Dunkirk possa ter em questões temáticas são facilmente compensados pela absurda imersão que a projeção proporciona, colocando o espectador no meio de uma batalha pela sobrevivência nos céus, praias e águas do Canal da Mancha. Se não se tornar um clássico, certamente se tornará um cult.

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