Crítica: Ataque dos Cães

The Power of the Dog, Nova Zelândia/Austrália/Reino Unido/EUA/Canadá, 2021



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★★★★☆


A ambientação em uma fazenda de gado no estado americano de Montana em 1925 pode fazer Ataque dos Cães lembrar séries como Yellowstone (resenha aqui) e 1883, mas essa história vai em uma direção bem diferente. A trama poderia se transformar em um suspense no melhor estilo A Sombra de uma Dúvida ou em um intenso drama como Sangue Negro. Porém, a diretora Jane Campion adapta o romance de Thomas Savage com muita paciência e sutileza, explorando as profundezas da psique de seus personagens. O resultado é um dos melhores filmes do ano, incluindo uma das melhores performances de Benedict Cumberbatch no cinema. Talvez, a melhor de todas.

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Ainda assim, a trama testa a paciência do espectador em seu primeiro ato, por mais que as belas paisagens sejam de encher os olhos. É nesse ponto que vemos o início da longa crise de ciúmes que Phil Burbank (Cumberbatch) tem em relação ao seu irmão, George (Jesse Plemons), que parece estar sempre pensando em alguma outra coisa. Quando fica claro que George está interessado na viúva Rose Gordon (Kirsten Dunst), a trama quase se torna um convencional drama romântico, com um feliz casal tendo que lidar com uma figura cruel e manipuladora que quer separá-los.

As ações de Phil indicam que ele tem medo de perder o irmão para uma outra pessoa. Enquanto George está em busca de felicidade e se preocupa com o futuro, Phil parece obcecado com o passado. Ele quer que as coisas sejam como antes, como quando eles ainda estavam sob a tutela de Bronco Henry, um homem que não aparece em tela mas que está muito presente nas memórias de Phil. George, por outro lado, encontra em Rose um carinho e uma leveza que ele jamais havia experimentado em uma vida dedicada ao trabalho duro na fazenda. Em determinado ponto, ele diz uma frase que serve para explicar as ações da maioria dos personagens de Ataque dos Cães: “Eu só queria dizer que é muito bom não estar sozinho.”

Era de se esperar que a trama atingisse novos níveis de tensão e suspense quando o filho adolescente de Rose, Peter (Kodi Smit-McPhee), volta da universidade durante suas férias. Os quatro personagens centrais moram todos sob a mesmo teto, o que poderia levar as rivalidades a se tornarem tão violentas e perturbadoras quanto o conflito entre tio e sobrinha em A Sombra de uma Dúvida. Porém, Phil começa a perceber os pontos em comum que ele tem com Peter, apesar do garoto ser visto por todos como “afeminado” e ser alvo de xingamentos homofóbicos em diversos momentos.

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A partir daí, Ataque dos Cães se torna algo muito diferente. As verdadeiras raízes do comportamento de Phil começam a aparecer, servindo como um interessante estudo de uma psique insegura e reprimida. Sua masculinidade tóxica esconde os mesmos tipos de anseios que marcam o comportamento de George, mas, devido a um estigma social, ele jamais se dá o direito de reconhecer suas carências e seus desejos. Enquanto isso, vai ficando claro que há algo mais sombrio na sensível fragilidade de Peter, que é capaz de cuidar e fazer carinhos em pequenos animais antes de matá-los e dissecá-los.

Enquanto Cumberbatch, Dunst, Plemons e Smit-McPhee dão verdadeiros shows de atuação, a diretora comunica a verdadeira natureza do interesse mútuo entre Phil e Peter por meio de visuais e momentos tão sutis quanto criativos. Paradoxalmente, é uma sutileza “gritante”, que utiliza as curvas de montanhas e de animais para representar as curvas do corpo humano e para manifestar os desejos dos personagens. Utilizando apenas breves cenas de nudez, olhares inquisitivos e os elementos ao redor, a diretora cria um absurdo (e quase cômico) clima de tensão homoerótica, comparável a filmes mais explícitos como A Criada (crítica aqui) e Entre Frestas (crítica aqui).

Quando menos se espera, a trama também consegue explorar a relação entre desejo e poder, fazendo com que o título original da produção, The Power of the Dog, seja muito mais adequado. No ato final, é difícil dizer quem está sendo vítima de quem, ou quem é a caça e quem é o caçador nessa estranha dinâmica de família.

Apesar do destaque para Cumberbatch e do início lento, Ataque dos Cães pode ser considerado uma grande demonstração do talento da diretora Jane Campion, que também é a autora do roteiro adaptado. Ela consegue empilhar camadas e camadas de narrativa e significados em um filme belo e contemplativo, explorando a fragilidade da condição humana em suas mais diversas formas. Com a ajuda de um final surpreendente, esse é o tipo de filme que fica com o espectador por vários dias após os créditos finais.

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