Crítica: A Qualquer Custo
Hell or High Water, EUA, 2016
Faroeste moderno é a melhor surpresa de 2016
★★★★★
A Qualquer Custo acompanha dois irmãos em uma série de assaltos a banco em pequenas cidades no interior do Texas. Toby (Chris Pine), um rancheiro pobre que viu a mãe morrer há poucos meses depois de uma longa doença, recorre ao irmão Tanner (Ben Foster), um ex-presidiário que cumpriu pena por assaltos a banco, para levantar o dinheiro necessário para pagar as várias hipotecas sobre o rancho da família. Paralelamente, dois Texas Rangers, Hamilton (Jeff Bridges) e Parker (Gil Birmingham), tentam rastrear os assaltantes e prever seus próximos movimentos.

A parceria entre os dois experientes policiais é harmoniosa e cheia de camaradagem, mas acaba se destacando devido a forma como Hamilton trata Parker, que é descendente de índios e de mexicanos. Sempre que pode, Hamilton faz alguma piada ou provocação racista com o parceiro, que, já demonstrando algum cansaço com os comentários, responde de forma enfadonha ou com alguma provocação de volta.
O que para Hamilton é apenas uma piada politicamente incorreta com seu colega de velha data, para Parker são comentários que realmente o incomodam. Um dos poucos momentos nos quais ele verbaliza sua insatisfação é quando fala sobre o fato de que toda aquela terra já pertenceu a seu povo, e relaciona a forma como o homem branco tomou as terras de seus ancestrais com a forma como os bancos estão agora tomando as terras das pessoas pobres.
É nesse clima introspectivo que a narrativa segue entre um assalto e outro. Além das agruras econômicas, os personagens também refletem sobre a vida que tiveram e sobre o que vão fazer quando se aposentarem ou o que vão deixar pra trás quando morrerem. Todo esse comentário social, ou mesmo filosófico, vai entrando naturalmente na história e não prejudica em nada o delicioso clima de “filme de caubói” da produção.
Esse clima é mantido graças à combinação de belos panoramas do Texas rural com a fantástica trilha sonora assinada por Nick Cave e Warren Ellis (veja no Deezer ou no Spotify). Mesmo sendo um trágico drama com elementos de suspense, o filme possui diversos momentos engraçados e consegue até mesmo incluir elementos de cultura pop na narrativa, fazendo referência aos clássicos do faroeste.
O fator cool também está em várias das cenas de ação, mas sempre sem retirar o peso dramático dos acontecimentos. O tenso diálogo final poderia ter saído de um filme de Tarantino ou mesmo de Sergio Leone, com direito a um caubói partindo em direção ao pôr do sol na última cena.

Quanto mais envelheço, estou em busca mais e mais de filmes que realmente são sobre alguma coisa ao invés de apenas veículos narrativos. Um roteiro como esse aparecer em sua porta é um acontecimento raro. Temos aqui um roteiro que tem todos esses sabores, que dialoga com a realidade econômica, dialoga com o zeitgeist da América moderna. Ele tem um forte senso de lugar e de personagens.
Melancólico mas engraçado, e introspectivo mas com muitos momentos de ação, A Qualquer Custo é um dos melhores filmes do ano e merece ser assistido e reassistido. O filme não faz um julgamento moral da ação dos bandidos, e se limita a contrapor a motivação deles com o rastro de violência que deixam pelo caminho. Não é todo dia que vemos um suspense dramático e divertido que, pontuado por ótimas cenas de ação, retrata de forma séria e trágica uma preocupante realidade social.







