Crítica: A Grande Mentira

The Good Liar, EUA, 2019



Nem Mirren e McKellen conseguem elevar o nível de um roteiro previsível e exagerado

★★☆☆☆


Um dos maiores pecados cometidos por qualquer roteiro é o de tentar ser mais inteligente do que consegue ser. Geralmente, isso resulta em embaraçosas tentativas de imprevisibilidade e sofisticação que apenas revelam as limitações dos realizadores. É o que acontece em A Grande Mentira (2019), no qual nem mesmo as intensas e exemplares performances de Helen Mirren e Ian McKellen conseguem salvar a produção.

Antes de continuar, um parêntese sobre a distribuição brasileira: já existe um filme lançado no país com o título A Grande Mentira. Teoricamente, isso não seria um problema, pois já existem outros casos semelhantes tanto no Brasil quanto no mercado internacional. Porém, o filme de 2010 também é estrelado por Helen Mirren e também é um suspense psicológico, além de possuir alguns outros pontos em comum com esse de 2019. Isso provavelmente será uma fonte de confusão que nem os espectadores e nem as distribuidoras precisavam.

O filme tem um início interessante e promissor, mas a narrativa vai gradualmente se deteriorando conforme a projeção avança. É comum que em suspenses psicológicos sobre “jogos de gato e rato” a inteligência e a astúcia dos personagens sejam exageradas para efeitos de entretenimento, mas no terceiro ato de A Grande Mentira (2019) a coisa toda já alcançou o nível da paródia, a ponto de não conseguir sequer justificar as ações de seus protagonistas.

Como em outros filmes medíocres desse gênero, apesar das reviravoltas em si não serem previsíveis, o fato de que haverá reviravoltas inexplicáveis o é. Enquanto roteiros mais inteligentes conseguem esconder segredos em plena vista, os mais limitados dependem de “cartas na manga” que eventualmente serão jogadas para o espectador sem aviso prévio. Inevitavelmente, chegará o momento no qual um dos personagens explicará toda a trama com a ajuda de flashbacks e montagens que revelam que nem todos os detalhes foram mostrados e que nada é o que parece ser.

No caso de A Grande Mentira (2019), quando esse momento finalmente chega, o espectador já está mais ansioso pelos créditos finais do que por respostas mirabolantes. Isso é uma pena, pois um dos grandes segredos no centro da trama lida com temas muito relevantes, como a violência e o ressentimento gerados pelo desejo e pela frustração de um jovem garoto, e como isso ecoa ao longo de várias décadas. A história poderia usar esse detalhe para compor um narrativa mais madura e interessante, muito mais próxima de um Desejo e Reparação do que de um O Sexto Sentido.

Ainda assim, A Grande Mentira (2019) pode agradar o espectador que ainda não conheça obras como Notas Sobre Um Escândalo, Sexy Beast, O Presente, Festim Diabólico, O Talentoso Ripley, As Duas Faces de Janeiro e A Sombra de uma Dúvida, filmes nos quais os dois personagens centrais se envolvem em intrincados conflitos psicológicos, mesmo quando um deles não está ciente do enfrentamento.

O elétrico duelo de atuações entre Mirren e McKellen merecia um roteiro muito melhor e mais afiado, o que deixa um gosto agridoce para quem esperava uma colaboração épica e inesquecível dessas duas lendas do cinema. Aqui, eles reafirmam a garantia de que são capazes de fazer a parte deles; resta agora esperar por uma equipe de criação que esteja no mesmo nível que a dupla.

Siga ou compartilhe: