Ideologias


Atualizado em 25/09/2018.

Ideologia: a crença equivocada de que suas crenças não são crenças e nem estão equivocadas.
Nein: A Manifesto

Uma das maiores simplificações que podemos detectar hoje no cenário político mundial é a divisão entre esquerda e direita. Por meio dela, tenta-se simplificar uma extensa gama de temas e doutrinas: segurança social, distribuição de renda, acúmulo de capital, legalização das drogas, legalização do aborto, liberalismo, libertarismo, imigração, comunismo, socialismo, individualismo, direitos trabalhistas, feminismo, democracia, totalitarismo, fascismo, nacionalismo, militarismo, pacifismo, populismo, casamento gay, consumismo, meritocracia, direitos humanos, monarquia, austeridade, conservadorismo, progressismo, dentre muitos outros.

Não há um consenso sobre quais temas pertencem à qual lado. Além das doutrinas adotadas por cada lado e expurgadas pelo outro, existem também aquelas que são consideradas universalmente positivas e que os dois tentam “puxar” para si (por exemplo, a democracia); e o mesmo vale para as universalmente negativas, que ambos tentam “empurrar” um para ou outro (por exemplo, o fascismo). Para complicar ainda mais, eles possuem divisões internas.

A grosso modo, cada pessoa a quem você perguntar sobre quais doutrinas estão presentes em seu lado tende a selecionar um subconjunto diferente das doutrinas possíveis, com apenas determinados pontos em comum. Outro problema é o da “venda casada”, que é como chamo a estipulação de uma relação bi-condicional entre um daqueles temas/doutrinas e uma posição política. Por exemplo: “se você é de esquerda, é a favor da legalização do aborto; se é a favor da legalização do aborto, é de esquerda”. Não sei até quando as pessoas vão tentar explicar o que define cada um desses lados, negando o caráter completamente disforme de ambos, mas já faz algum tempo que essa polarização não faz o menor sentido.

Mas as pessoas precisam dessa simplificação. Independente de direita e esquerda, elas precisam de um subconjunto daquela lista de temas e doutrinas para considerar como “o subconjunto certo”, ou o grupo de elementos que combinados resolverão todos os problemas da sociedade. Uma ideologia, digamos. Uma vez definida a sua ideologia, a vida fica mais simples. Você sabe exatamente o que tem que defender e o que tem que combater.

À partir daí, você já terá na ponta da língua a solução para qualquer questão levantada. Ou não, pois ideologias possuem buracos. Esse conjunto de soluções padrão a serem aplicadas em determinadas situações limita consideravelmente a possibilidade de se pensar em soluções novas e/ou inovadoras. Não apenas isso, mas também dificulta que as opiniões diferentes daquelas de um determinado grupo sejam consideradas dentro dele. Fecha-se as portas para a colaboração. Torna-se um “nós contra eles”, e a opinião “deles” é inválida. Eis aqui o que pra mim é o problema número 1 de qualquer ideologia: ignorar a posição do outro.

Via de regra, ao adotar uma ideologia, cada pessoa tem em mente uma visão de um mundo perfeito, ou, pelo menos, um mundo no qual ela gostaria de viver. Porém, é ignorado o fato de quem nem todas as pessoas gostariam de viver nesse seu mundo.  Ao defender fervorosamente uma ideologia, você está tentando criar um mundo no qual não há lugar para determinados tipos de pessoas.

Essa afirmação pode parecer um tanto exagerada, e você pode rebater dizendo que no seu mundo perfeito nem todo mundo teria que concordar com tudo. Mas ouso dizer o seguinte: para a visão de mundo de qualquer pessoa se realizar, é necessário que todas as pessoas nesse mundo concordem plenamente em pelo menos um determinado ponto, seja ele qual for.

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Eis a minha pergunta: existe algum determinado aspecto da vida humana ou da organização da nossa sociedade que teria o apoio irrestrito de toda a população? Lembre-se, 7 bilhões de pessoas. Caso você esteja pensando menor, são 200 milhões de brasileiros. Além disso, é um tanto fácil para as pessoas imaginarem seu próprio mundo perfeito, mas elas dificilmente param para pensar como chegaríamos lá a partir de onde estamos agora. Apenas imagina-se que uma vez aplicada aquela ideologia, as peças vão magicamente se encaixar e aquele mundo perfeito irá simplesmente surgir. Mas são muitos interesses em jogo, e nada é tão simples.

Chega então aquele ponto do texto no qual eu deveria oferecer alternativas à ideologia. Não as tenho. O que posso oferecer são alternativas às falácias da ideologia, mas seria equivocado supor que essas alternativas estão acima de uma ideologia em si. Dessa forma, e tentando fugir da regra, o ponto de partida da minha ideologia é que eu não sei como seria um mundo perfeito. O que eu sei é como o mundo está agora, e mesmo essa minha percepção pode estar equivocada, ou apenas incompleta.

Ainda assim, tento concentrar meus esforços políticos na tentativa de melhorar esse mundo que conheço. Sim, esse “melhorar” implica na idealização de um “mundo melhor”, mas essa idealização é diferente do “mundo perfeito” que mencionei antes. Aqui, estou falando do curto prazo, do próximo estado das coisas a partir do ponto no qual elas estão. O mais importante é que essa melhoria não ignore os pontos de vista dos inúmeros envolvidos, inclusive os das pessoas que discordam de mim. É preciso negociar e chegar em um denominador comum, atingir um equilíbrio.

No mais, quando falo em curto prazo, não estou falando em questão de anos, ou mesmo de décadas, mas sim de gerações. Nesse contexto, o longo prazo é representado pelos séculos. Uma pessoa normal não parece ter ciência de que a vida dela é menos do que um piscar de olhos na história da humanidade. Quando ela acha que pode construir um mundo perfeito, e ainda viver o suficiente para desfrutar dele, está sendo ingênua e vai apenas causar estragos que não havia previsto.

Ou não. Talvez essa polarização de curto prazo entre direita e esquerda seja justamente o que a História precise. Por exemplo, vamos adotar uma daquelas “vendas casadas” e dizer que a direita é conservadora e a esquerda é progressista. Nesse caso, temos a esquerda agindo como um acelerador e a direita como um freio. A esquerda pode até reclamar de que a direita está segurando o progresso; e mesmo a direita não quer ser vista como algo que causa um atraso; mas o fato é que para controlar o progresso de um veículo, você precisa de acelerador e freio.

Apenas pisar no acelerador vai com certeza causar um acidente. Dessa forma, no longo prazo, é na queda de braço entre direita e esquerda que está o equilíbrio.  Talvez eu esteja errado, mas é pouco provável que eu viva o suficiente para comprovar isso.

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