Crítica: Vingadores – Ultimato

Avengers: Endgame, EUA, 2019



Um final grandioso para uma saga grandiosa

★★★★☆


Em suas duas primeiras horas, Vingadores: Ultimato pode não repetir a sequência de ação desenfreada e empolgante das duas horas e meia de Vingadores: Guerra Infinita, mas seu ato final é digno do ciclo de 22 filmes que ele encerra. A terceira e última hora de Ultimato poderia se estender por muito mais tempo e, ainda assim, os fãs não se cansariam. Esse é um filme-evento que funciona não apenas como uma conclusão, mas também como uma homenagem aos personagens centrais e como um presente para os fãs, que estão há mais de 10 anos acompanhando essa saga épica.

Se Guerra Infinita começa no meio da ação, com o vilão Thanos (Josh Brolin) derrotando Thor (Chris Hemsworth), Loki (Tom Hiddleston) e Hulk/Bruce Banner (Mark Ruffalo) sem maiores dificuldades, Ultimato começa em um clima muito mais sombrio e introspectivo. A vida na Terra tem um clima pós-apocalíptico depois que o vilão, com um estalar de dedos, eliminou metade da vida do Universo no final do primeiro filme. Esse evento deixou para trás sobreviventes que precisam lidar com perdas imensuráveis enquanto tentam reconstruir e seguir em frente com suas vidas.

Essa é uma premissa muito interessante, e poderia render vários filmes dramáticos sobre as consequências psicológicas de uma catástrofe dessas proporções. Ultimato até explora um pouco disso, mostrando como o Capitão América/Steve Rogers (Chris Evans) dedica parte de seu tempo a um grupo de apoio para pessoas comuns que ainda não superaram o trauma. Mesmo os heróis se encontram quase completamente transformados (ou melhor, quebrados) depois daquela épica derrota, especialmente o Deus do Trovão, o Gavião-Arqueiro/Ronin/Clint Barton (Jeremy Renner) e a Viúva Negra/Natasha Romanov (Scarlett Johansson).

No ato seguinte, que é o menos interessante do filme, os heróis colocam em ação um plano para desfazer o estalar de dedos de Thanos. A narrativa foca na comicidade e na nostalgia em momentos que divertem e emocionam, mas que jamais causam o nível de empolgação que muitos fãs esperavam dessa continuação.

Esse segundo ato é mais parecido com um típico filme do Homem-Formiga/Scott Lang (Paul Rudd), se destacando mais pelo humor e pela emoção do que pela ação e suspense. Isso destoa completamente tanto do clima dramático do primeiro ato quanto do clima épico do terceiro, o que quebra um pouco o ritmo narrativo. É como se houvesse uma pequena e despretensiosa comédia de aventura dentro de um filme muito mais sério e sombrio. A abordagem até funciona como veículo para nostalgia e para fechar o arco dramático de alguns personagens, mas, ainda assim, parece deslocada.

Uma surpresa positiva durante os dois primeiros atos foi um mais profundo desenvolvimento de personagens que geralmente não recebem muita atenção. Clint Barton, o Gavião Arqueiro, sequer aparece em Guerra Infinita, mas aqui ele volta como nunca antes, em sua persona conhecida como Ronin. O personagem, seriamente afetado pelas perdas sofridas, volta mais violento e protagoniza algumas das melhores cenas de ação da projeção.

Já Nebulosa (Karen Gillan) tem seu arco dramático ainda mais aprofundado e fica em uma posição na qual ela nunca esteve antes. Graças a sua proximidade a Thanos, que é seu pai adotivo e também algoz, ela tem muito mais tempo de tela e um papel central no desenvolvimento da trama.

E como vilão, Thanos está melhor do que nunca. Ele se mostra não apenas tão inteligente e engenhoso quanto os heróis, mas também tão sortudo quanto eles. Se as coisas às vezes se encaixam perfeitamente para os Vingadores, elas também se encaixam para o Titã Louco. Ele não desperdiça a oportunidade e dá ao grupo de super-heróis a luta de suas vidas. Sua calma e seu foco evidenciam sua eficácia e o tornam um vilão incrivelmente assustador.

Outros personagens foram mais uma vez reformulados, como Thor e Hulk. Enquanto as mudanças sofridas por Thor são compreensíveis (ver “Comentários com Spoilers” abaixo), as de Hulk parecem mais convenientes para certos aspectos da trama do que naturais ou mesmo necessárias. O fato é que o personagem perde parte de sua essência, o que é um tanto decepcionante.

O terceiro ato entrega a batalha épica que os fãs tanto esperavam. O espectador é presenteado com alguns dos melhores momentos dos heróis que fizeram parte dessa mega saga cinematográfica, com desenvolvimentos incrivelmente recompensadores. As sensações causadas aqui só podem ser inteiramente compreendidas por aqueles que assistiram a todos os “capítulos” e guardam no coração pequenos e grandes momentos de alguns dos melhores filmes de super-heróis da última década.

Essa é uma saga sem precedentes. Ela transcende quaisquer outras franquias que vieram antes tanto em escopo quanto em nível de sucesso. Se o MCU causou mudanças quase irreversíveis na indústria cinematográfica, ele o fez por merecer. Vários outros estúdios conseguiram com sucesso trazer super-heróis para as telas do cinema, mas apenas a Marvel Studios conseguiu adaptar para essa mídia o nível de interconectividade típico das mais famosas e longínquas séries de histórias em quadrinhos.

Comentários com Spoilers

Em Vingadores: Guerra Infinita, a morte de Loki e uma inquestionável derrota para Thanos nos primeiros minutos do filme já haviam causado um impacto em Thor. Loki é o mais recente membro de sua família a morrer, deixando-o ainda mais sozinho. Sua mãe (Rene Russo) havia morrido em Thor: O Mundo Sombrio e seu pai (Anthony Hopkins) em Thor: Ragnarok (crítica aqui). Em Ragnarok, ele também foi obrigado a destruir Asgard, sua terra natal, para evitar que sua irmã Hela (Cate Blanchett), que destruiu seu querido martelo Mjölnir, continuasse um genocídio iniciado milênios antes.

Ainda durante Guerra Infinita, ele estava claramente em negação e achava que Thanos seria apenas mais um nome em sua longa lista de inimigos derrotados. Em Ultimato, vemos que seu fracasso o deixou mais sério e fechado, até o momento no qual ele executa o Thanos de sua linha do tempo, um gesto desnecessário e sem significado, que não mudaria nada e não traria ninguém de volta. Esse é o ponto de ruptura para o Deus do Trovão.

Quando Rocket Racoon (Bradley Cooper) e o “Professor Hulk” o encontram, ele apresenta claros sinais de depressão: não sai de casa há dias, não se cuida e nem se alimenta direito, bebe demais e está acima do peso (a musculatura invejável era uma das marcas registradas do personagem). Em resumo, seu atual estado leva a uma apropriada referência a O Grande Lebowski.

Tudo isso aumenta o impacto emocional de quando ele, durante uma viagem no tempo, escuta palavras inspiradoras de sua mãe e recupera seu martelo. Naquele momento, ele percebe que apesar das perdas e dos fracassos ele ainda é o Deus do Trovão, um guerreiro que coleciona vitórias há mais de um milênio e que é digno de levantar o poderoso Mjölnir. Em outras palavras, Thor recupera seu amor próprio.

O Homem de Ferro/Tony Stark (Robert Downey Jr.) também não lida muito bem com a derrota em Guerra Infinita, que traz à tona seu narcisismo e seus ressentimentos contra o Capitão América. O tempo o ajuda a superar os ressentimentos, mas parte do narcisismo ainda está lá. Essa é uma das características mais marcantes do personagem que deu início a essa saga, e isso torna o seu sacrifício nos momentos finais de Ultimato ainda mais notável.

Mas a grandeza de Stark não está no sacrifício em si. Thanos também estava disposto a se sacrificar em nome de sua ideologia, mas não havia grandeza nisso. Enquanto o vilão é um fanático disposto a matar indiscriminadamente em nome de suas ideias, os heróis lutam pela vida. Não importa o quanto Thanos tente distorcer suas motivações e falar em um bem maior, a morte é o primeiro e o último inimigo. Stark sabe disso, e agora ele para sempre será o Homem de Ferro.

Depois que o sacrifício desse grande amigo garante a vitória, o Capitão América finalmente se vê em uma posição na qual pode ser dar ao luxo de seguir um determinado conselho de Stark: dar um tempo no uniforme e viver a vida. A viagem no tempo lhe dá a oportunidade de finalmente encontrar Peggy Carter (Hayley Atwell) para uma dança, às 8 horas em ponto, no Stock Club. Ele tem uma segunda chance para viver uma vida que havia perdido.

A última hora de Vingadores: Ultimato é barulhenta e visualmente estimulante. São milhares de soldados e dezenas de super-heróis travando uma batalha épica. Vemos o Capitão América, Thor e o Homem de Ferro combatendo Thanos naquela que é uma das lutas mais incríveis de toda a saga, com direito ao Capitão empunhando o Mjölnir e mostrando a Thanos que está disposto a lutar até o fim. Vemos uma das mais incríveis e emocionantes cenas do estilo “chegada da cavalaria” quando os heróis ressuscitados aparecem para salvar o dia (“À esquerda!”), dentre várias outras cenas tão intensas quanto inesquecíveis.

E ainda assim, os créditos rolam com absoluta classe e suavidade, depois de um beijo há muito sonhado, durante uma dança há muito prometida, ao som da encantadora melodia de It’s been a long, long time.

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