Crítica: O Tigre Branco

The White Tiger, Índia, 2021



Filme levanta muitas questões sociais enquanto a acompanha a trajetória de um rapaz pobre na Índia

★★★★☆


Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor.
Paulo Freire

Ao contrário do que se poderia imaginar pelo trailer, O Tigre Branco não conta uma história de ascensão social por meio de violência e criminalidade. O filme está mais preocupado em mostrar a evolução na mentalidade do protagonista Balram (Adarsh Gourav), um rapaz pobre que cresceu em um vilarejo indiano e que de repente tem a oportunidade de trabalhar para uma família rica. Ao longo da narrativa, o que era gratidão vai se transformando em ressentimento, conforme ele começa a enxergar as “grades” da prisão social na qual ele está encarcerado. Balram percebe que se ele estava feliz em servir, é porque ninguém jamais lhe ensinou a querer mais do aquilo.

Existe ódio maior do que aquele sentido pelo servo número dois em relação ao número um?

É apenas quando percebe o limitado significado que ele tem para os patrões Ashok (Rajkummar Rao) e Pinky (Priyanka Chopra) que ele realmente começa a enxergar a realidade de sua situação. Apesar de ser tratado como “parte da família”, ele também pode ser considerado apenas mais um item de luxo a ser consumido e descartado pelos ricaços. Suas possibilidades de crescimento no sistema de castas indiano já foram esgotadas e, aparentemente, a única mudança possível em seu status social é para baixo.

As promessas eleitorais me ensinaram a importância de não nascer pobre em uma democracia livre.

É apenas no ato final que Balram “se rebela” contra o sistema e se torna um empreendedor, utilizando especialmente as técnicas de corrupção que aprendeu com a família de Ashok. É aí que o ponto de vista do protagonista-narrador difere do ponto de vista real do filme. Enquanto Balram está mais preocupado em subir na vida, suas ideias servem como uma cortante crítica do sistema em vigor. Se a democracia liberal está sendo corrompida por interesses oligárquicos, o correto para ele é também se tornar um oligarca e se aproveitar das muitas falhas no sistema.

Para os pobres, só há duas formas de se chegar ao topo. Crime ou política. É assim no seu país também?

O protagonista abraça a ideia popular do sucesso atingido estritamente por meio do esforço individual, enquanto o sistema continua “viciado” contra pessoas como ele. Como escapou do destino que lhe foi escolhido, ele se considera especial, um raro “tigre branco”. É como quando se usa uma ou outra pessoa que saiu da pobreza e atingiu a riqueza como exemplo de que o sistema funciona, enquanto milhões de outras ficam para trás sem grandes possibilidades de melhoria de vida. Nesse sentido, a história faz questão de contrapor explicitamente a ideia de sucesso individual como apresentada no “conto de fadas” Quem Quer Ser um Milionário?, sucesso de 2008 sobre um indiano pobre que está prestes a se tornar rico em um programa de televisão.

Os ricos nascem com oportunidades que podem desperdiçar. Mas e os pobres?

O Tigre Branco se distancia de dramas como A Qualquer Custo (crítica aqui) e Dias Sem Fim (crítica aqui) ao não envolver seu protagonista em uma espiral de violência, mas compartilha com eles as temáticas da desigualdade social e da falta de oportunidades de vida para quem nasce na pobreza. O filme está mais próximo do premiado Parasita (crítica aqui), explorando o ressentimento de classe e mostrando como as pessoas estão dispostas a sabotarem umas às outras para subirem na escada social.

No momento em que você reconhece o que há de belo no mundo, você deixa de ser um escravo.

O Tigre Branco captura a atenção do espectador graças a uma narrativa dinâmica que está sempre em movimento, seja mostrando a realidade da sociedade indiana ou os desenvolvimentos na vida de Balram. Mais que isso, a produção serve como um ótimo comentário não apenas sobre a Índia, mas também sobre qualquer país que possui problemas semelhantes de desigualdade social e corrupção, levantando questões tanto sobre o capitalismo quanto sobre a natureza humana.

As pessoas acham que o dinheiro é uma ferramenta. Estão erradas. O dinheiro é o mestre. Quanto melhor você o serve, melhor ele o trata.
– Filme O Capital

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