Crítica: O Grande Hotel Budapeste

The Grand Budapest Hotel, Reino Unido/Alemanha, 2014



Divertida aventura traz uma combinação única de ingenuidade, humor negro, violência e muitas, muitas cores

★★★★☆


À primeira vista, O Grande Hotel Budapeste parece ser uma divertida comédia para todas as idades, mas seu humor e muitas das temáticas tratadas vão além dos 18 anos. O filme gira em torno das aventuras de Gustave H. (Ralph Fiennes), lendário concierge (algo entre recepcionista e gerente geral) do magnífico Hotel Budapeste, e seu fiel lobby boy Zero (Tony Revolori), que é o narrador “raiz” da história. E a narrativa é justamente um dos muitos pontos de destaque dessa obra.

Dentre outras coisas, o filme é uma homenagem a arte de se contar uma história, o que é revelado nas várias camadas de narrativa que ela possui: nos dias atuais, uma garota lê um texto de um renomado escritor, no qual ele relata uma história que lhe foi contada em 1968 por um velho senhor em um velho hotel; tal história tem início em 1932, no auge do sucesso do Grande Hotel Budapeste. Sendo assim, a realidade em tela é uma versão de uma versão de uma história (ou seria uma interpretação de uma interpretação?), o que lhe dá a licença poética necessária para essa exuberante obra.

Mas para falar desse filme e justificar os adjetivos utilizados no parágrafo anterior, vamos, por enquanto, nos concentrar em seu protagonista. Gustave H. é o que podemos chamar de um nobre, ingênuo e adorável cafajeste. Apesar de sua sensibilidade e jeito afetado (o que lhe rende algumas ofensas homofóbicas ao longo da película), ele gere com punho de ferro todo o staff do hotel, exigindo perfeição em cada detalhe. Sua fiel clientela de mulheres “ricas, velhas, inseguras, vaidosas, superficiais, loiras e carentes” é mantida graças à sua amabilidade e ao intenso relacionamento sexual que ele mantém com todas elas.

“A propósito, ela é pura dinamite na cama.”
“Ela tem 84 anos…”
“Já fiquei com mais velhas.”

É sua fina educação e mesmo sua cômica pedância (ele insiste em recitar pomposos poemas mesmo nas situações mais triviais ou inapropriadas) que oferecem um contraponto às principais ameaças à sua grandiosa realidade: guerra e ganância. A aventura começa quando uma de suas mais fiéis clientes é assassinada e seus gananciosos herdeiros armam para que ele seja acusado do assassinato. Paralelamente, o fictício país no qual a história se passa está sendo invadido por fascistas estrangeiros. Esse simbolismo é um tanto óbvio: essa situação representa a invasão da Áustria pelo regime nazista, evento que seria o estopim da Segunda Guerra Mundial. Entretanto, isso não é o suficiente para abalar sua civilidade.

“Vocês são o primeiro esquadrão da morte oficial ao qual nós fomos formalmente apresentados. Como estão?”

E sua civilidade é um dos principais pontos do filme, apesar de que em alguns momentos até ele duvide da relevância de suas cordiais atitudes diante de uma realidade brutal e selvagem.

“Veja, ainda existem fracos vislumbres de civilidade restantes nesse bárbaro matadouro que já foi conhecido como humanidade. De fato, é isso que provemos em nosso modesto, humilde e insignificante… ah, dane-se.”

Sua ingenuidade quase infantil está no fato de achar que essa civilidade é o suficiente para aplacar a barbaridade do mundo que de repente o cerca; e que mesmo o mais rabugento dos seres humanos precisa apenas ser amado. Ela também se revela em sua prontidão em ajudar qualquer um que precise, mesmo que sejam perigosos criminosos que desejam fugir da prisão na qual ele também foi jogado.

Em todas suas relações, seja com os criminosos, seja com Zero, seja com suas clientes, fica clara a sua vocação em ser um fiel servente e fazer o máximo possível para ajudá-los, ainda que em todas elas ele também desfrute de inúmeras vantagens. Além de ingênuo, Gustave também parece ser amoral.

Tal personagem é mais fácil de ser escrita/imaginada do que interpretada, e é aí que entra toda a experiência de Ralph Fiennes, que a interpreta de forma tão magnífica que não conseguimos imaginar nenhum outro ator em sua pele. A elegância, a afetação, a pedância, as raras e contidas explosões de fúria: tudo isso é perfeitamente equilibrado pelo ator, que se destaca e está aqui em uma de suas melhores interpretações.

Esse destaque tem ainda mais relevância quando levamos em conta o elenco absurdamente estelar desse filme, que conta com muitas participações e personagens menores interpretadas por nomes como Tilda Swinton, Adrien Brody, Harvey Keitel, Jude Law, Jeff Goldblum, Williem Dafoe, Tom Wilkinson, Edward Norton, Mathieu Amalric, Saoirse Ronan, Bill Murray, Owen Wilson, dentre outros (se você não conhece algum dos nomes, certamente reconhecerá todos os rostos).

Outro que não desaparece em meio à essa fantástica constelação é Tony Revolori, interprete de Zero. Eu poderia falar um pouco mais sobre essa interessante personagem e seu empolgante caso de amor, mas o texto já está longo o suficiente.

Além do humor negro nas passagens citadas acima, o filme também é divertidamente impiedoso com as personagens secundárias, e algumas delas terão mortes violentas, sangrentas e com alguns requintes de crueldade. Isso aumenta o nível de tensão e contrasta ainda mais com o pitoresco e vibrante colorido dos cenários e do figurino; além de contrastar com o tom leve da narrativa.

Então é isso: uma divertida, estimulante e amoral aventura para aqueles que acham graça em piadas de dedos sendo decepados e gatos sendo atirados da janela de edifícios.

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