Crítica: Millenium – A Garota na Teia de Aranha

The Girl in The Spider’s Web, Canadá/Alemanha/Suécia/Reino Unido/EUA, 2018



Continuação foca na ação e pode decepcionar os fãs do sucesso de 2011

★★★☆☆


Millenium: A Garota na Teia de Aranha é um filme que tem pressa. Isso não seria um problema se seu roteiro não fosse tão problemático: além das reviravoltas previsíveis e dos momentos tediosamente expositivos, a grande maioria dos desenvolvimentos da trama não fazem muito sentido ou são absurdamente convenientes. Tanto pelos parâmetros do mundo real quanto pelos do mundo de Lisbeth Salander (Claire Foy), a conta não fecha.

Por exemplo: depois que Salander rouba uma poderosíssima ciberarma do governo americano, um funcionário da NSA entra no modo Jason Bourne e vai sozinho tentar recuperar o artefato digital no submundo de Estocolmo. No mundo real, algo assim provavelmente seria respondido por uma força tarefa especializada que trabalharia, se possível, em cooperação com o governo sueco.

Talvez isso faça sentido no caricato mundo de Salander, no qual ela é uma elusiva justiceira digna de histórias em quadrinhos. Nessa nova encarnação, a “garota com a tatuagem de dragão” está muito próxima de ser uma versão feminina de James Bond, o que poderia funcionar muito bem caso o devido cuidado fosse tomado com o material. Ela já tem inclusive uma antagonista digna das aventuras do super-espião: Camilla Salander (Sylvia Hoeks), que é irmã da heroína e líder de uma temível e secreta organização criminosa.

Entretanto, o que temos aqui é um filme que se move a toque de caixa e sem nenhuma sutileza, fadado ao esquecimento assim que os créditos começam a subir. Esses defeitos ficam ainda mais evidentes quando o comparamos com Millenium: Os Homens Que Não Amavam as Mulheres. Dirigido por David Fincher, o filme de 2011 é um envolvente suspense com um intrigante mistério em seu centro. Os muitos personagens e a relação entre seus dois simetricamente opostos protagonistas são tão interessantes quanto o mistério em si, o que faz com que o espectador seja completamente absorvido pela sombria atmosfera da projeção e fique até o último momento ansioso pelo desfecho.

Nesse novo capítulo, nenhum tempo é reservado para o desenvolvimento de personagens, enquanto os relacionamentos entre eles é estabelecido por meio de diálogos tão expositivos quanto forçados. O jornalista Mikael Blomkvist (Sverrir Gudnason), que é o outro protagonista do primeiro filme, é reduzido a um inexpressivo e genérico coadjuvante, se tornando quase uma paródia do Blomkvist interpretado por Daniel Craig no original. Inclusive, ele parece ter menos tempo de tela que o inexplicável agente da NSA Edwin Needham (Lakeith Stanfield), que parece ter mais habilidades de combate do que de programador/analista de dados.

O novo filme abre mão das sutilezas para focar na ação, que, apesar de tudo, funciona razoavelmente bem, especialmente no aspecto visual. Seria melhor ainda se a trilha sonora não fosse tão monótona e sem inspiração. Além disso, boa parte da ação já está presente no material de divulgação do filme, o que acaba com boa parte do fator surpresa. Inclusive, os dois trailers liberados entregam também várias das reviravoltas da trama (que, de qualquer forma, se tornam previsíveis ao longo da projeção) e até mesmo o (melo)dramático clímax do filme. Ou seja: quem ainda for assistir, é melhor passar longe desses trailers.

O outro ponto positivo da produção é Claire Foy, que, apesar das limitações do material, consegue dar um novo ar a sua Lisbeth Salander. A atriz é a responsável por ainda ser possível enxergar algum potencial nessa nova encarnação da personagem e no novo tom da franquia. Entretanto, seus coadjuvantes precisariam ser praticamente reformulados ou, pelo menos, aprofundados. A única que se salva é a Camilla Salander de Sylvia Hoeks, que mais uma vez rouba a cena, assim como fez com sua Luv em Blade Runner 2049 (crítica aqui).

Por fim, Millenium: A Garota na Teia de Aranha não funciona nem como continuação de Millenium: Os Homens Que Não Amavam as Mulheres e nem como reboot da franquia. A impressão que fica é a de que esse novo capítulo é a continuação de algum outro filme, no qual essas novas versões desses personagens foram devidamente apresentadas e as relações entre eles apropriadamente estabelecidas. Esse outro filme seria um verdadeiro reboot e estabeleceria o novo tom, mas infelizmente ele não existe. Sendo assim, o que sobra aqui é um filme de ação genérico e facilmente esquecível.

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