Crítica: Lady Bird – A Hora de Voar

Lady Bird, EUA, 2017



Roteiro simples, direto e sincero emociona sem fazer força ou apelar para o puro melodrama

★★★★☆


Em Lady Bird: A Hora de Voar, acompanhamos o último ano de colégio de Christine “Lady Bird” McPherson (Saoirse Ronan), uma adolescente rebelde que não mede esforços para conseguir o que quer e seguir seus sonhos, por mais ingênuos que eles sejam. O filme retrata de forma honesta e autêntica os vários questionamentos e situações pelos quais muitas pessoas passam nessa fase da vida, focando especialmente no conturbado relacionamento entre Lady Bird e sua mãe, Marion (Laurie Metcalf).

Esse relacionamento é o grande centro gravitacional da trama, que evidencia como as decisões de Lady Bird colocam em conflito duas pessoas que se amam incondicionalmente. Realista e preocupada com a situação financeira da família, Marion não consegue entender as decisões da filha, que, por sua vez, não entende porque a mãe não apoia seus sonhos. As ótimas atuações de Ronan e Metcalf (que já estão sendo consideradas em premiações) são vitais para tornar esse relacionamento tão crível quanto intenso; e tão divertido quanto melancólico.

Com apenas 93 minutos de projeção, a narrativa não perde tempo “remoendo” os principais acontecimentos na vida de sua protagonista. Com um ritmo relativamente acelerado, o espectador é conduzido de um momento para outro com graça e naturalidade, tanto em termos de passagem do tempo quanto de evolução emocional. Isso apenas destaca o talento da diretora estreante Greta Gerwig, que também é a responsável pelo roteiro. Conhecida por seu trabalho como atriz em filmes como Frances Ha e Mistress America, Gerwig mostra mão firme e confiança nessa obra que poderia facilmente ter descambado para o melodrama fácil e previsível.

A história se passa em 2002, na cidade de Sacramento, onde a diretora nasceu e cresceu. Apesar de ser a capital da Califórnia, a cidade fica muito aquém dos centros urbanos mais conhecidos do estado, como Los Angeles e São Francisco. Gerwig tenta mostrar como é crescer nessa cidade de médio porte que mais parece uma típica cidade dos estados mais rurais dos EUA, o que para um adolescente pode resultar em uma relação de amor e ódio. Apaixonada por sua cidade natal, Gerwig a torna um importante personagem dessa produção.

Os demais personagens que compõem o universo de Lady Bird são bem desenvolvidos mesmo quando poderiam ser apenas estereótipos ambulantes. Por mais que não tenham tanto tempo em tela, a trama os trata como pessoas reais, com os próprios problemas e a própria visão de mundo. Essa é uma das grandes fontes de conflito entre eles e Lady Bird, que está quase sempre focada em suas próprias necessidades e tem dificuldade em enxergá-los como pessoas completas.

O filme tem sido um absoluto sucesso de crítica e um relativo sucesso de público. Por várias semanas, Lady Bird: A Hora de Voar permaneceu com 100% de aprovação no site agregador de críticas RottenTomatoes, e até agora possui apenas uma crítica negativa dentre um total de 218. Já na bilheteira, o filme se tornou o maior sucesso de arrecadação da distribuidora “indie” A24, responsável por alguns dos melhores filmes dos últimos anos.

Esse sucesso não está restrito à audiência jovem que poderia se pressupor ser o público-alvo dessa produção. Em entrevista ao programa The Late Show with Stephen Colbert, a atriz Saoirse Ronan dá sua interpretação de porque as pessoas se identificam tanto com esse filme:

Stephen Colbert: Por que você acha que um filme sobre uma garota de 17 anos e com o cabelo rosa em uma escola católica em Sacramento está tocando tantas pessoas? (…)

Saoirse Ronan: Porque, eu acho, essas não são as coisas que a definem, da mesma forma que não é possível categorizar nenhum ser humano. (…) Você está assistindo essa pessoa meio que experimentando diferentes personagens pra ver qual deles serve, e isso é algo que todos nós já fizemos e continuamos fazendo. E tem sido uma experiência muito afirmativa saber que você pode gostar desse filme tanto quanto uma garota de 15 anos, ou um cara que entrou na universidade há dez anos e que também é de uma cidade pequena. (…) Pois é algo humano e, de certa forma, sem gênero específico.

Seguindo nessa linha, talvez o motivo pelo qual seja tão fácil para tanta gente se identificar com Lady Bird seja o fato de que a vemos sendo repetidamente decepcionada pelas coisas da vida, inclusive por ela mesma. A vemos feliz e radiante enquanto forma expectativas que estão quase fadadas a não serem alcançadas. Para o espectador adulto, ela lembra tempos mais inocentes, quando achávamos que conquistaríamos o mundo com nossos sonhos e aspirações; e a felicidade nos aguardava ao virar da próxima esquina. E a cada vez que seu coração é partido, vamos nos lembrando do nosso próprio processo de amadurecimento.

Além disso, a narrativa não é sustentada em grandes e dramáticos acontecimentos que de repente jogam os personagens em um mundo de dor e sofrimento. Ao invés disso, vemos Lady Bird passando por momentos que encontram paralelos nas vidas das maiorias das pessoas: o primeiro namorado, a iniciação sexual, a indecisão vocacional, os conflitos com familiares e amigos, a saída de casa rumo à faculdade e/ou à vida adulta. Sendo do interior, suas aspirações pela grandeza e cosmopolitismo das grandes cidades também refletem os (ingênuos) pontos de vista de muitas pessoas. Em uma das cenas, ela diz: “Eu quero ir para onde a cultura está, como Nova York. Ou pelo menos Connecticut ou New Hampshire, onde escritores moram nas florestas.”

Lady Bird: A Hora de Voar não é nenhuma grande história de superação ou romance, mas sim um singelo conto de amadurecimento que, por seu minimalismo, consegue tocar uma grande quantidade de pessoas, sejam pais ou filhos. Com ele, Gerwig mostra que tem potencial para ser uma das grandes diretoras(es) de sua geração, apesar de ainda ser cedo para elevar a talentosa atriz, roteirista e diretora a tal posição.

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