Crítica: Assassinato no Expresso do Oriente

Murder on The Orient Express, EUA, 2017



Filme moderniza e homenageia a obra original, mas sem causar grande impacto

★★★☆☆


Todos os dias, nós encontramos pessoas sem as quais o mundo seria melhor, mas nós não as matamos. Devemos ser melhores que os animais.

Essa nova adaptação da popular obra da escritora Agatha Christie impressiona mais pela qualidade do elenco e da produção do que pela narrativa ou pela história em si. É possível ver em cada quadro o cuidado e a dedicação do diretor Kenneth Branagh com um material adorado e respeitado por várias gerações de leitores em todo planeta. Porém, isso não é o suficiente para que o espectador se sinta realmente engajado com a trama e curioso sobre quem seria o assassino, restando-lhe divertir-se com a inusitada e intensa jornada de seu protagonista.

A indiferença do espectador pode ser explicada por dois motivos. O primeiro é o desgaste do formato whodunnit no cinema e na TV. Já faz algum tempo que qualquer obra que utilize esse recurso narrativo precisa ter algo realmente inovador para funcionar. O recurso foi e está sendo usado à exaustão por filmes e séries, como nas franquias televisivas CSI e Lei & Ordem. Vale lembrar que a própria Agatha Christie é uma das grandes responsáveis pela popularização do gênero, sendo também uma das grandes influências sobre essas obras. Nesse sentido, pode-se dizer que esse Assassinato no Expresso do Oriente de Kenneth Branagh faz apenas o básico.

O outro motivo é o acelerado ritmo da narrativa, que não permite um mergulho mais fundo nas personalidades dos suspeitos. Isso é importante para que o espectador tenha a ilusão de que conhece os personagens e suas motivações, se identificando com eles e criando suas próprias teorias. Uma vez que as interações entre eles são curtas e caricatas, o espectador não tem porque criar suas próprias teorias, pois já imagina que a solução do mistério vai envolver uma explicação mirabolante baseada em informações vitais que apenas o renomado detetive possuía.

O principal atrativo dessa adaptação acaba sendo seu lendário protagonista. O Hercule Poirot interpretado por Branagh é uma presença que domina a tela e mantém o espectador entretido mesmo nos momentos mais previsíveis da investigação. Principal fonte de humor, ele também é o único personagem que passa por um genuíno arco dramático na trama, com a resolução do crime desafiando sua própria visão de mundo e nosso conceito de civilização. O Poirot que vemos no fim da projeção está bem diferente daquele que em seu início diz: “Há o certo. Há o errado. Não há nada entre eles.”

Mas esse também é um Poirot adaptado para o público moderno. De acordo com esse esse artigo do site Screen Rant, mesmo na época do lançamento dos livros, os estereótipos usados pelo detetive para analisar os suspeitos eram considerados racistas e xenófobos. Nessa adaptação, esse comportamento fica restrito a alguns dos coadjuvantes, enquanto tanto Poirot quanto Bouc (Tom Bateman) são representados de forma mais progressista. Inclusive, Bouc insiste que Poirot aceite o caso para que a polícia não coloque a culpa automaticamente no negro Dr. Arbuthnot (Leslie Odom Jr.) ou no latino-americano Biniamino Marquez (Manuel Garcia-Rulfo), que substituem três personagens brancos do livro.

A superficialidade dos coadjuvantes acaba desperdiçando o talento do estelar elenco com diálogos cuja única função é revelar, sem muita sutileza, algum aspecto caricato de suas personalidades. Ainda que isso faça sentido sob um determinado ponto de vista (dizer qual seria um spoiler), com nomes como Judi Dench, Michelle Pfeiffer, Penélope Cruz, Williem Dafoe, Olivia Colman, Johnny Depp e Derek Jacobi, a produção poderia ter alçado voos mais altos ao ser menos fiel aos eventos da obra original, ainda que mantendo o seu “espírito”.

Isso não deve ser o suficiente para desagradar os fãs mais fiéis da autora, que são presenteados com uma adaptação com toda a pompa e circunstância que o lendário detetive merece. Com paisagens e efeitos especiais de encher os olhos, o nível de detalhamento da produção evidencia o respeito que o diretor e demais envolvidos tem pela obra. Mais do que um mistério, Assassinato no Expresso do Oriente é um veículo de nostalgia para as milhões de pessoas que foram tocadas pelas obras de Agatha Christie.

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