Acolhimento e Dominação


Recentemente, o mundo foi surpreendido com a notícia de que a atriz Allison Mack, conhecida pela popular série Smallville, estava envolvida com uma seita na qual ela recrutava escravas sexuais. A organização NXIVM, que se apresentava como uma empresa de marketing multinível, escondia um esquema pelo qual mulheres eram atraídas pela atriz para se tornarem submissas ao “mestre” Keith Raniere, que não apenas as extorquia mas também as obrigava a manter relações sexuais com ele e as marcava à ferro quente com suas iniciais.

Por mais chocante que esse caso possa parecer, ele está longe de ser uma exceção. Ao longo de toda História humana existem relatos de grupos de pessoas que passaram a seguir cegamente líderes tão carismáticos quanto dominadores, tendo resultados geralmente catastróficos.

Um dos casos mais conhecidos é o do reverendo Jim Jones e o Templo do Povo dos Discípulos de Cristo. O grupo foi fundado no estado americano de Indiana em 1955 e, depois de passar pela Califórnia e de tentar se estabelecer no Brasil, montou em 1974 a comuna de Jonestown em uma área de terra na Guiana.

Em 1978, o congressista Leo Ryan visitou o local para averiguar denúncias de abusos. Porém, quando ele tentou levar de volta alguns dos habitantes que buscaram sua ajuda, os seguranças do Templo do Povo abriram fogo, matando o político, três jornalistas e um dos desertores da seita. Temendo a resposta por essa agressão, Jim Jones ordenou que todos os habitantes de Jonestown cometessem suicídio. Centenas de pessoas se mataram ao beber um refresco envenenado com cianeto, mas muitas foram forçadas a tomar o veneno. No total, 918 pessoas morreram, incluindo 276 crianças. Menos de 20 pessoas conseguiram sobreviver à noite do massacre.

Um outro caso notório é o do grupo conhecido como Família Manson, formado por aproximadamente 100 pessoas (na maioria, jovens mulheres) que idolatravam o fundador e líder Charles Manson. Essa seita foi responsável por uma série de assassinatos no final dos anos 1960, e ganhou notoriedade por ter entre suas vítimas a modelo e atriz Sharon Tate, que estava no oitavo mês de gravidez quando foi brutalmente assassinada.

Em 2018, a série de documentários Wild Wild Country, da Netflix, jogou luz sobre os conflitos gerados pelo estabelecimento de uma comuna, liderada pelo guru conhecido como Osho, no interior do estado do Oregon. Depois que entram em conflito com os habitantes de uma cidade próxima, os membros do pacífico grupo chegam a se armar, enquanto uma facção mais radical comete o primeiro ataque bioterrorista da História dos EUA.

Mas nem todos esses grupos têm finais trágicos e/ou violentos. A igreja da cientologia existe formalmente até hoje, apesar de ter sido criada nos anos 1950 pelo escritor de ficção científica e fantasia L. Ron Hubbard (que serviu de inspiração para um dos protagonistas de O Mestre) e ser fruto de inúmeras polêmicas. Duas delas são as chamadas operações Branca de Neve e Freakout.

A Operação Branca de Neve foi um esforço organizado e sistemático de infiltração do governo americano por membros da seita, com o intuito de influenciar decisões políticas e abafar investigações. Já a Operação Freakout foi uma tentativa de incriminar ou “enlouquecer” a autora Paulette Cooper, que havia escrito um livro criticando a cientologia e, por isso, era vista como uma ameaça pelos membros do grupo.

Outros exemplos desse tipo de grupos radiciais são as seitas Verdade Suprema, que realizou um atentado no metrô de Tóquio em 1995 e cujos líderes foram executados em julho de 2018, e a sul coreana Grace Road, que está sendo acusada de deter mais de 400 seguidores na ilha de Fiji e da qual a jovem Seoyeon Lee escapou depois de ser atraída pela própria mãe.

Tudo isso nos faz levantar a pergunta: como tantas pessoas podem se tornar vítimas (ou cúmplices) desses cultos?

Acolhimento e Proteção

No geral, as pessoas desejam fazer parte de algo grande e importante. Algo que insira significado e equilíbrio em suas existências. Que lhes dê um senso de propósito. Algo que lhes explique como o mundo ou o Universo funcionam e no qual elas possam se basear para tomar as pequenas e grandes decisões de suas vidas. Mais que isso, elas querem saber exatamente o que devem fazer para alcançar alguma almejada forma de salvação.

Existe então uma grande demanda por guias espirituais, filosóficos ou mesmo políticos. E quando algum oportunista percebe que pode explorar essa demanda para alimentar as próprias ilusões (ver Complexo de Messias) e/ou obter poder e riqueza, as pessoas que a possuem se tornam presas fáceis. Em outras palavras, o “mestre” provê a oferta que atende a demanda identificada.

Uma vez que conquista o seu “rebanho”, o mestre pode estabelecer o que seus seguidores devem fazer ou oferecer para que alcancem seja lá o que for que lhes foi prometido (paz, salvação, equilíbrio, riqueza, etc.). Quaisquer sofrimentos ou aflições pelos quais elas passem para poder entregar o que o mestre solicita são justificados como sacrifícios necessários para que o objetivo final seja atingido. Às vezes, nem há um objetivo “final”, pois o que o mestre tem a oferecer é algum abstrato estilo de vida que ele mesmo estabeleceu como sendo o ideal.

O que torna o mestre tão atraente é que ele dá respostas simples para perguntas complexas. Diante de um mundo que parece estar ficando cada vez mais complicado (e as pessoas registram essa sensação há vários séculos), uma filosofia que cause a ilusão de simplificação pode valer ouro. Ao invés de ter que levar em conta as inúmeras variáveis e pontos de vista que compõem o nosso mundo, o seguidor pode levar em conta apenas a palavra do mestre. E isso lhe é suficiente.

O grupo acaba oferecendo uma sensação de segurança e proteção não apenas pelo sentimento de comunhão compartilhado, mas também devido a figura paternal (ou maternal) do mestre. Muitos adultos estão sempre em busca do mesmo nível de proteção que seus pais lhe ofereciam quando crianças. Ao crescermos, perdemos a ilusão de que nossos pais são “super-poderosos” e capazes de nos defender de qualquer ameaça, e algumas pessoas vão até as últimas consequências para recuperar essa ilusão, ainda que em outras formas.

Tudo isso é melhor explicado nesse artigo sobre o porque das pessoas terem tanto fascínio por líderes autoritários. As pessoas contam com as figuras de autoridade para “consertarem” as coisas e controlarem o mundo. Se alguns indivíduos estão vivendo de formas com as quais elas não concordam, a autoridade deve “dar um jeito neles”.

Além disso, a autoridade pode simplificar a sua vida ao restringir suas opções. Assim, ao invés de ter que tomar uma decisão complexa ou resistir a uma tentação, a pessoa pode passar a responsabilidade para o “líder” que define os limites de suas ações. Sendo assim, ela abre mão de parte de sua liberdade em prol de alguma simplicidade.

Esse é o mesmo princípio ativo da inveja que algumas pessoas sentem dos animais. Eles não tem que tomar decisões complexas e nem ficam ansiosos com problemas concretos ou abstratos. Eles vivem de um momento para outro, apenas seguindo os próprios instintos e sem ter que lidar com contas a pagar ou conceitos abstratos como a passagem do tempo. Passam dias inteiros em currais, pastos, ruas ou nas casas de seus donos se preocupando apenas em obedecer seja lá qual for o instinto mais forte que tiver no momento. Uma vida idílica. Até, é claro, a hora do abate.

A boa notícias para essas pessoas é: para alguns cientistas, não existe isso de “livre arbítrio”.

Como saber se uma igreja é uma seita?

Esse artigo do WikiHow sugere alguns métodos para identificar se uma igreja é ou não uma seita. Reproduzo-os parcialmente abaixo.

Método 1: Avaliando a doutrina
  • Leia as regras da igreja, pois seitas exigem obediência cega e fidelidade absoluta. Procure por regras que só existem para garantir a permanência forçada dos “fiéis”.
  • Descubra o que aconteceria se você resolvesse sair da igreja, pois seitas geralmente impõe severas punições nesses casos.
  • Cuidado com sessões de denúncia, nas quais o líder da igreja humilha você ou outros congregados.
  • Evite igrejas que estejam obcecadas com alguma profecia e falem de suicídio em massa. Sim, suicídio em massa é definitivamente preocupante.
  • Avalie se a igreja exige que você se isole, diminuindo o contato com amigos e familiares que não façam parte dela.
  • Descubra se eles têm uma doutrina elitista, pois muitos cultos consideram seus membros como pessoas superiores em relação a quem não faz parte. Essa característica também é um dos elementos base do fascismo.
Método 2: Analise o comportamento
  • Evite igrejas que deem benefícios especiais para membros de alto escalão.
  • Reconheça as características de um líder de seita, como não aceitar críticas, requerer admiração constante, humilhar pessoas em público, se achar o máximo ou exigir favores sexuais ou outros atos degradantes.
  • Evite igrejas que usem métodos de controle da mente, como a hipnose.
  • Questione as regras, e se ao invés de uma explicação você receber uma resposta defensiva e irritada, corra para as colinas.
  • Descubra se a igreja usa de intimidação e manipulação.
  • Cuidado com igrejas que o obriguem a fazer favores que você não queria.
Método 3: Determine se a igreja é uma seita
  • Leia críticas sobre a igreja, de forma a coletar o ponto de vista de outras pessoas e conhecer o passado da organização.
  • Fale sobre a igreja com amigos e familiares que não façam parte dela, também para coletar mais pontos de vista.
  • Seja sincero com você mesmo, e não ignore os sinais de que há algo errado com o grupo do qual você faz parte. A euforia de fazer parte do grupo pode fazer com que você tente inventar/imaginar explicações para o comportamento tóxico dos companheiros e releve as situações de abuso.
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