A Meta-temporada de BoJack Horseman


Boa parte dos acontecimentos da quinta temporada de BoJack Horseman têm como pano de fundo as gravações e o lançamento da primeira temporada de Philbert, série fictícia na qual BoJack (Will Arnett) interpreta o homônimo protagonista. Isso dá ao criador (de BoJack Horseman) Raphael Bob-Waksberg a oportunidade de analisar a natureza e a recepção de sua própria série. Esse é um exercício de metalinguagem que poderia facilmente parecer forçado e constrangedor, mas Bob-Waksberg e sua equipe de escritores e diretores conseguem atingir um tom precisamente equilibrado, a ponto dessa ser uma das melhores (ou, para alguns, a melhor) temporadas da série.

Fica claro que a principal preocupação de Bob-Waksberg é como parte do público percebe seu tóxico e problemático protagonista. Enquanto as atitudes e a personalidade de BoJack levam parte dos espectadores a refletirem e repensarem o próprio comportamento, uma outra parte pode ver essa representação como uma validação de suas próprias atitudes tóxicas. No quarto episódio dessa quinta temporada, Diane (Alison Brie) explica como a cultura pop pode acabar normalizando certos comportamentos (sejam eles bons ou ruins), mas é apenas no décimo que ela percebe que as atitudes negativas de Philbert estão sendo usadas por BoJack para justificar suas próprias falhas de caráter.

Essa é um problema comum com outros personagens da ficção, como o Rick de Rick and Morty ou o Humbert Humbert do romance Lolita. O que todos eles têm em comum é que suas ações e/ou personalidades possuem traços que são invejáveis para muitos homens. Enquanto Rick é um cientista superinteligente, implacável com seus inimigos e absurdamente narcisista, Humbert é um professor de meia idade que mantém um relacionamento sexual com uma garota menor de idade. Nesse último caso, a natureza de Humbert (um abusador pedófilo) foi romantizada e normalizada em subsequentes adaptações cinematográficas, a ponto da história servir como fonte de fantasias tanto para homens como para mulheres (especialmente jovens garotas que fantasiam com homens mais velhos).

Já BoJack é um rico e beberrão ator hollywoodiano com uma ativa (ainda que não exatamente saudável) vida sexual. Isso o torna invejável para muitos espectadores, que acabam entrando na mesma ego trip que o personagem. Suas ações já provocaram estragos irreversíveis nas vidas de muitas pessoas, mas ainda assim ele se considera a principal vítima de suas “desventuras”. Para ele, o fato de sua consciência estar pesada por ter feito as coisas que fez acaba funcionando como um tipo de redenção, o que não o incentiva a realmente mudar seu comportamento.

No meu primeiro texto sobre BoJack Horseman, escrevi o seguinte:

Porém, o fato de ser tão fácil para qualquer pessoa se identificar com as questões levantadas por esses personagens coloca em xeque a classificação de suas vidas como “anormais”. Afinal, o que é uma vida normal? O que é uma vida de sucesso? Em pleno século XXI, não parece justo chamar de anormal uma vida apenas por ela não ter alcançado a típica fórmula de casamento, trabalho, filhos, carro, casa, etc. Enquanto essa fórmula ainda representa o normal para muitas pessoas, muitas outras já não estão interessadas nessa vida linear e relativamente previsível.

A constatação acima continua válida, especialmente nos casos de Diane, Princess Carolyn (Amy Sedaris) e Todd (Aaron Paul), mas ela deve ser lida com cuidado. Esses personagens continuam suas batalhas para encontrar seus lugares em um mundo que ainda parece aceitar poucas variações sobre o que é estabelecido como “normal”, mas isso não lhes dá o direito de tentar normalizar quaisquer comportamentos tóxicos que eles apresentem. Tomar decisões ruins faz parte da experiência humana, mas normalizá-las não (ou, pelo menos, não deveria). Talvez essa seja a principal mensagem que Bob-Waksberg queira passar com essa temporada.

Philbert dá a BoJack a impressão de que é aceitável ser uma “pessoa ruim”, mas, depois que as coisas saem do controle, ele pede a Diane que o ajude a se tornar uma “pessoa boa”. Ela o corrige:

Não existem “caras bons” e “caras ruins”. Todos somos apenas “caras”, que às vezes fazem coisas boas e às vezes fazem coisas ruins. Podemos tentar fazer menos coisas ruins e mais coisas boas, mas você nunca vai ser “bom”, pois você não é “ruim”. Pare de usar isso como desculpa!

Essa é a deixa para BoJack aceitar que precisa de ajuda profissional e finalmente fazer algo que realmente mude seu comportamento.

Com a quinta temporada de BoJack Horseman, Bob-Waksberg mostra que é capaz de usar a própria série para lançar um olhar crítico sobre o bem sucedido passado de sua criação e até sobre si próprio, na forma do criador de Philbert, Flip McVicker (Rami Malek). Entretanto, o personagem lembra mais o criador de True Detective, Nic Pizzolatto, uma figura que não reage bem a críticas negativas e cuja série, assim como Philbert, tem um problema na representação de mulheres.

No Twitter, Bob-Waksberg havia prometido um reboot, e é mais ou menos isso o que ocorre no season finale da quinta temporada. Uma possível recuperação de BoJack vai exigir que a equipe criativa vá além do ciclo de comportamento tóxico nas próximas histórias, explorando novas facetas de seu protagonista, assim como já vem fazendo de forma muito bem sucedida com seus fantásticos coadjuvantes.

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